Por Laine Furtado / @fashionandtravelreporter
Maria Grazia Chiuri anunciou sua saída da Dior, encerrando um ciclo de nove anos à frente da direção criativa da casa francesa. Primeira mulher a ocupar o cargo, a estilista italiana assumiu o posto em 2016 e desde então vem sendo uma das principais vozes femininas da moda de luxo, promovendo um diálogo potente entre estilo, ativismo e arte.
Após nove anos de uma jornada marcada por feminismo, inovação e respeito à herança da maison, Maria Grazia Chiuri se despede do cargo de diretora criativa da Dior. Em sua despedida, Chiuri expressou gratidão nas redes sociais: “O talento e a visão da minha equipe e dos ateliês me permitiram concretizar minha visão de uma moda feminina comprometida, em diálogo com várias gerações de artistas mulheres. Juntos, escrevemos um capítulo do qual me orgulho imensamente”.
Ao longo de quase uma década, Maria Grazia construiu um portfólio visual que será lembrado não apenas pelos desfiles meticulosamente coreografados, mas pelas peças que definiram uma nova era na Dior — equilibrando tradição com revolução estética.
A camiseta We Should All Be Feminists
Já em sua primeira coleção, durante a Semana de Moda de Paris de 2016, a camiseta branca com os dizeres We Should All Be Feminists deu o tom de sua proposta. Inspirada no ensaio da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, a peça rapidamente se tornou símbolo da nova fase da maison, sendo vista em capas de revistas e no corpo de celebridades.
O slingback J’adior
No mesmo desfile, outro item se destacou e logo virou objeto de desejo: o slingback J’adior, um sapato de salto médio com fita elástica no calcanhar estampada com o nome da grife. A peça unia conforto e sofisticação com uma estética contemporânea, conquistando um público que buscava elegância sem abrir mão da funcionalidade. O sucesso do modelo foi tão grande que ele passou a integrar permanentemente o catálogo da marca.
A bolsa Book Tote
Chiuri também teve papel fundamental na construção de um novo imaginário para os acessórios da Dior. Um dos maiores sucessos comerciais de sua gestão foi a bolsa Book Tote, lançada em 2018. Com estrutura rígida, formato retangular e tecido bordado com o monograma da maison, a peça rapidamente virou item indispensável entre fashionistas. Personalizável com o nome da cliente e produzida artesanalmente, a bolsa se tornou símbolo de status e praticidade, sendo adaptada em várias versões ao longo dos anos.
O retorno da Saddle Bag
Outro momento marcante foi o resgate da icônica Saddle Bag, originalmente criada por John Galliano nos anos 1990. Sob o olhar de Chiuri, a bolsa ganhou novas cores, materiais e estampas, tornando-se novamente uma das mais vendidas da Dior. A reedição da Saddle representou não só um tributo ao legado da grife, mas também um exemplo da habilidade da diretora criativa em unir passado e presente com inteligência visual.
Animal print e xadrez repaginados
Em termos de vestuário, Chiuri valorizou a estética clássica da Dior com inserções de empoderamento feminino e simbolismo artístico. O uso do animal print, especialmente a estampa de oncinha, marcou coleções inteiras. Em um dos desfiles mais comentados, conjuntos e casacos com padronagens felinas ganharam destaque absoluto, reforçando a sensualidade e a força da mulher Dior.
O xadrez também teve papel de protagonista em várias temporadas, sempre reinterpretado de forma a dialogar com o espírito do tempo. Chiuri enxergava nessas estampas tradicionais a oportunidade de resgatar códigos do vestuário masculino e transformá-los em peças de afirmação feminina.
Vestidos gaiola e a silhueta Trapèze
Na Alta-Costura, Maria Grazia alcançou seu ápice criativo em seu último desfile, onde apresentou vestidos estruturados como gaiolas — Destaque também para vestidos com referência direta à silhueta “Trapèze”, criada por Yves Saint Laurent em 1958, quando era estilista da Dior. Ao reinterpretar essa forma histórica, a diretora criativa conectou passado e presente mais uma vez, inserindo novas tecnologias têxteis e uma estética quase escultural. Essas criações não demoraram a aparecer nos tapetes vermelhos, sendo usadas por atrizes e artistas em grandes premiações.
Moda com mensagem e arte feminina
Outro ponto marcante da era Chiuri foi seu constante diálogo com o universo artístico. Ao longo dos anos, ela colaborou com diversas artistas mulheres, trazendo para os cenários dos desfiles instalações que questionavam gênero, corpo, liberdade e história. Esses elementos visuais se integravam aos looks, tornando cada apresentação uma experiência sensorial e intelectual. Foi a maneira da estilista reforçar que a moda pode — e deve — ser um instrumento de reflexão.
Um legado que transcende tendências
Embora sua saída represente o encerramento de um ciclo, o legado de Maria Grazia Chiuri na Dior é sólido. Ela reposicionou a maison como uma grife relevante para o século XXI, alinhada com as discussões de diversidade, sustentabilidade e empoderamento. Em um universo muitas vezes marcado por exclusividade e silêncio político, Chiuri fez questão de imprimir mensagem e atitude em cada coleção. Ela fechou com chave de ouro como desfile Cruise 2026 com o tema Fantasmas do Cinema inspirado no figurinista italiano Umberto Tirelli.
A próxima liderança criativa da Dior ainda não foi anunciada, mas o impacto deixado por Maria Grazia continuará ressoando. Mais do que roupas, ela criou símbolos. Camisetas com mensagens, sapatos com identidade, bolsas que viraram ícones — tudo pensado para uma mulher que quer ser vista, ouvida e lembrada. A Dior de Chiuri não era apenas bela: era consciente, combativa e histórica, influenciando as próximas gerações.